Por Renato Malcher
Parecer sucinto avaliando, do ponto de vista médico-científico, a pertinência do cultivo de Cannabis sativa para o uso da planta in natura ou de seu extrato para finalidades medicinais.
Um estudo de meta-análise, compreendendo cerca de dez mil artigos da literatura médico-científica dedicada aos usos medicinais da Cannabis sativa e seus derivados, foi publicado em 2017 pela National Academies of Sciences, Engineering and Medicine dos EUA, de modo a endossar a validade científica do uso medicinal desta planta e seus derivados para muitas enfermidades diferentes [1]. Conforme relatado nesse documento, os efeitos medicinais mais bem estudados e mais profundamente corroboradas pelo histórico de estudos científicos foram:
- alívio de dores crônicas
- alívio de mal-estar e a náusea associados ao câncer e à quimioterapia
- alívio dos espasmos da esclerose múltipla
Em relação à forma como o uso terapêutico é feito, é importante ressaltar que, para qualquer paciente é sempre vantajoso e, em geral, necessário, o conhecimento das doses exatas de quaisquer fármacos utilizados, de modo a garantir a previsibilidade e consistência dos seus efeitos. Entretanto, em relação ao uso da Cannabis como fitoterápico, dada a flexibilidade de sua janela terapêutica e a relativa ausência de efeitos colaterais sérios na maioria das pessoas, existem casos em que a auto-titulação da dose pode ser feita tomando como base os efeitos agudos e não as quantidades exatas ingeridas [2]. Por exemplo, uma pessoa com dores ou náuseas, pode inalar Cannabis fumada ou (de preferência) vaporizada [2] e rapidamente sentir o efeito que deseja sem precisar exceder o mínimo necessário para tal e sem, portanto, precisar saber a dose exata que ingeriu. Isso significa que o uso da planta in natura pode ser uma opção efetiva e prática para pacientes que sofrem com dores crônicas, efeitos do câncer e da quimioterapia e espasmos dolorosos da esclerose múltipla. O mesmo também vale, por exemplo, para aqueles que percebem no uso da Cannabis alívio para sintomas de Parkinson num contexto de uso compassivo [2].
Finalidades médicas que tiveram seu estudo intensificado mais recentemente, tais como o uso de extrato de Cannabis para tratar convulsões e outros sintomas severos em epiléticos e autistas, também contam com crescente e substancial respaldo em evidências científicas [ 3 a-16]. É interessante notar que o primeiro artigo médico-científico publicado no ocidente sobre o uso medicinal da Cannabis data de 1842. Impressiona o fato de que neste artigo o caso mais emblemático relatado por seu autor, o médico irlandês William O´Shaugnessy, tenha sido o de uma menina indiana de 40 dias de idade, que definhava por conta de incessantes crises convulsivas [17].
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A exemplo do que ocorreu com a menina de Brasília, Anny Fisher, e tantos outros relatos, a vida da menina indiana foi salva com o uso de extrato de Cannabis rica em canabidiol. Cabe refletir sobre quanto sofrimento e mortes poderiam ter sido evitadas se a ciência prevalecesse sobre o preconceito na concepção de políticas públicas de saúde quando se trata desta planta medicinal de uso milenar [2]. Para esses casos, onde o problema fisiológico que se deseja controlar é a frequência e intensidade de atividades epileptiformes (convulsivas ou não), é mais adequado o uso de extratos com concentrações bem definidas de canabidiol e THC. Especialmente porque os primeiros resultados só são evidentes após várias semanas de uso. O uso de extratos de planta com composição não determinada pode, no entanto, ser a última opção num contexto de uso compassivo. Nestes casos, o uso deve ser muito cuidadoso e acompanhado por médicos, iniciando-se com quantidades mínimas do extrato dentro de um protocolo lento de aumento na busca da dose adequada, evitando-se sempre o uso de extratos feitos a partir de variedades de Cannabis ricas em THC, pois, em especial nestes pacientes, o excesso de THC pode gerar efeitos adversos importantes, com possível agravamento do quadro [11].
Escolhida a variedade adequada de Cannabis, cada novo extrato demandará um novo processo de titulação de dose, já que cada semente de Cannabis sativa, mesmo sendo de uma mesma variedade ou planta mãe, pode produzir plantas com proporções diferentes de canabinoides farmacologicamente ativos [18]. Entretanto, se for determinada a eficácia de um extrato vindo de uma planta individual específica, os resultados serão menos variados se desta planta forem obtidas clones, ou seja, novas plantas produzidas a partir de mudas e não de sementes [18 – 19]. O processo de cultivo e extração do óleo destas também deve ser rigorosamente padronizado para minimizar variações entre cada lote de extrato preparado [18].
Referências:
- The National Academics of Sciences, Engineering and Medicine (2017). The Health Effects of Cannabis and Cannabinoids. The National Academies Press – Washington, DC. [PDF Grátis após cadastro]
- Malcher-Lopes, R. e Ribeiro, S. (2007). Maconha, Cérebro e Saúde. Editora Vieira & Lent, Rio de Janeiro –RJ. [e-Book]
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Categoria: Editorial