Por Leandro Ramires*

No dia 16/04, o Senado Federal votou apressadamente a PEC 45, que busca criminalizar o porte de qualquer substância considerada ilícita, em dois turnos. Estranhamente, realizou-se somente uma Audiência Pública no dia anterior à votação, numa segunda-feira, com notável ausência de senadores, apesar de ser um instrumento essencial para embasar decisões sobre mudanças constitucionais, especialmente em um tema tão delicado. A realização apressada dessa única audiência e a subsequente votação sugerem que os votos dos senadores já estavam decididos, transformando o processo em uma mera formalidade, sem o devido debate ou consideração pública que uma alteração de tal magnitude requer.

A Audiência Pública, transmitida ao vivo pela TV Senado, contou com a presença de defensores dos direitos humanos contrários à criminalização, contrastando com o plenário esvaziado. As intervenções favoráveis à criminalização, baseadas em referências desatualizadas e preconceituosas, colidiam com as apresentadas por cientistas e pesquisadores renomados, que há décadas estudam as políticas de drogas, encarceramento e redução de danos. Curiosamente, muitos dos que defendiam a criminalização ignoraram evidências científicas durante a pandemia de COVID-19, adotando posturas contra medidas comprovadamente eficazes, como o isolamento social e o uso de máscaras.

Este grupo de senadores, majoritariamente conservadores, parece responder ao Supremo Tribunal Federal (STF) que atualmente julga o Recurso Extraordinário (RE) 635659, que propõe definir um limite para a posse de maconha para uso pessoal. O julgamento busca esclarecer distinções estabelecidas pela legislação de 2006, que já diferenciava usuários de traficantes. Essa reação do Senado sugere um retrocesso legislativo e uma tentativa de reafirmar poder em contraposição ao STF, especialmente em um momento político tenso.

Além disso, a discussão sobre o porte de drogas para uso pessoal é deslocada do âmbito da saúde pública para o terreno político, ignorando-se as implicações sociais e médicas. Atribuir à cannabis a culpa por problemas complexos como suicídios em adolescentes é um exemplo da má interpretação da ciência, desconsiderando fatores como saúde mental e condições sociais adversas.

A pressa com que a PEC 45 foi aprovada reflete uma perturbadora desconsideração pelo processo democrático e pela participação cidadã, evidenciando uma urgência fabricada que serve mais aos interesses políticos do que ao bem público. A realização de apenas uma audiência pública, mal frequentada e superficialmente engajada, revela uma falta de respeito pelas normas democráticas e pelo dever dos legisladores de fundamentar suas decisões em um diálogo amplo e inclusivo. Ao ignorar as vozes dos especialistas e das evidências científicas, o Senado escolheu uma trajetória que se alinha mais com preconceitos ultrapassados do que com a realidade complexa e matizada das políticas de drogas.

Essa atitude do Senado não só ignora as tendências globais de tratamento do porte de drogas como uma questão de saúde pública, mas também agrava as desigualdades sociais e raciais ao penalizar desproporcionalmente os mais vulneráveis. As evidências de outros países demonstram que a redução de danos e a abordagem terapêutica são mais eficazes do que a criminalização. No entanto, ao optar por reforçar políticas punitivas, o Senado brasileiro coloca-se em contramão às melhores práticas internacionais, perpetuando um ciclo de marginalização e encarceramento que atinge principalmente a população negra e de baixa renda. Esta abordagem retrógrada não apenas falha em resolver os problemas associados ao consumo de drogas, mas também viola os direitos civis e mina a integridade do processo legislativo.

(*) Médico Coordenador Médico Científico da ama-me