Atualmente, os canabinoides são usados com mais frequência do que anteriormente como drogas de suporte nos tratamentos paliativos de uma variedade de cânceres. Suas propriedades contra náuseas e tonteiras são de relevância clínica para pacientes com câncer tratados com quimioterapia e em estágio avançado, muitas vezes terminal.

O recente desenvolvimento de derivados de canabinoides traz novas perspectivas para desenvolvimento de uma nova frente de ação na medicina, não somente para fins paliativos como também efeito antineoplásico através da modulação do “Sistema Endocanabinoide”.  Os canabinoides foram utilizados por muitas sociedades até a sua proibição no início do século passado devido ao seu potencial de droga de adição. Hoje, com melhor conhecimento científico, o potencial risco de dependência levando a danos para o usuário e os efeitos colaterais psicotrópicos parecem ser superestimados, especialmente para pacientes com tumores malignos, para que o controle da dor, peso e qualidade de vida são os principais objetivos da terapia médica.

Como suporte clínico, alguns pacientes estão familiarizados com os efeitos paliativos do componente psicoativo primário da cannabis, o THC, que tem ação direta nos receptores canabinoides cerebrais. Através da ativação de receptores CB1 no sistema nervoso central, o THC pode reduzir náuseas, vômitos e dor no câncer em pacientes submetidos à quimioterapia.

No contexto histórico da medicina paliativa, importante papel paliativo atribuído à cannabis remota dos Sec. 19 quando o médico inglês, William Brooke O’Shaugnessy, em missão na Índia, vivenciou o uso de extratos alcoólicos de Cannabis índica para alívio paliativo em pacientes com tétano, hidrofobia (raiva), cólera, delirium tremens e crises convulsivas em crianças, publicando o artigo no Provincial Medical Journal and Retrosepective of the Medical Sciences. Londres, 1843. O beneficio era reconhecido, milhares de pacientes eram beneficiados, o uso se mostrava seguro, porém se desconhecia, por completo, os mecanismos fisiológicos envolvidos [1].

No início da década de 1980, Dronabinol™ e Nabilone™, moléculas sintéticas de THC para uso oral, foram aprovados pelo US Food and Drug Administration FDA, nos EUA, para o tratamento de náuseas e vômitos associados à quimioterapia em pacientes que não conseguiam responder aos antieméticos convencionais [2]. Parece incrível, mas até hoje esses medicamentos não estão disponíveis no Brasil. Foram desenvolvidos quando não se conhecia o sistema endocanabinoide e muitos pacientes são beneficiados, desde aquela época.

Interessante estudo realizado pela American Society of Clinical Oncology ASCO, em 1991 dentro de um contexto histórico proibicionista arbitrário, avaliou a possibilidade dos médicos oncologistas americanos prescreverem cannabis para pacientes que estavam sendo submetidos à quimioterapia.  Foram enviados, por correio, 2.430 questionários de pesquisa para cerca de 1/3 de todos os oncologistas americanos filiados a ASCO e 1.035 (44%) foram respondidos. Dentre esses, quase a metade (48%) prescreveria cannabis se fosse legal e ainda consideram que maconha fumada era mais eficaz do que Dronabinol© e aproximadamente tão segura. Outros 54% achavam que a maconha deveria estar disponível para prescrição [3].

Em entrevista ao Portal UAI do Jornal Estado de Minas / Diários Associados, a psicóloga Loiva Maria De Boni Santos, associada e eterna madrinha da AMA+ME, relata sua experiência com cannabis durante o tratamento quimioterápico para tratamento do seu câncer de ovário.

O CBD demostrou ser eficaz na redução da neuropatia periférica induzida pela quimioterapia com paclitaxel (Taxol™), indicado no  tratamento câncer de ovário, mama, sarcoma de Kaposi, câncer de pulmão, câncer de cérebro e câncer de garganta [5], melhora também o sono e apetite, muitas vezes, comprometidos em pacientes oncológicos.

Estudo realizado na clínica CnacerCare Manitoboa, no Canada, e publicado no Journal of Clinical Oncology em outubro de 2015 [5], mostrou que pacientes, em tratamento oncológico, se beneficiam com a adição de cannabis medicinal. A dose média de opioides diminuiu após o acesso à cannabis medicinal. Num grupo de  24 pacientes inscritos  no programa específico de medicina paliativa, a auto-avaliação de vários indicadores de qualidade de vida mostrou melhora estatisticamente significativa. Cansaço, sonolência, náusea, apetite, depressão e ansiedade melhoraram após inscrição no programa.

Referências

1.        WB O’Shaugnessy. On the preparation of the Índian Hemp, or Gunjah. Provincial Medical Journal and Retrosepective of the Medical Sciences. London, 1843 Feb 4, 123: 363-369 [PDF]

2.        Ahmedzai S, Carlyle DL, Calder IT, et al. Anti-emetic efficacy and toxicity of nabilone, a synthetic cannabinoid, in lung cancer chemotherapy. Br J Cancer 48 (5): 657-63, 1983. [PubMed]

3.        Doblin RE, Kleiman MA. Marijuana as antiemetic medicine: a survey of oncologists’ experiences and attitudes. J Clin Oncol. 1991 Jul;9(7):1314-9. [PubMed]

4.        Ward SJ, McAllister SD, Kawamura R, et al. Cannabidiol inhibits paclitaxel-induced neuropathic pain through 5-HT(1A) receptors without diminishing nervous system function or chemotherapy efficacy. Br J Pharmacol. 2014 Feb;171(3):636-45. [PubMed]

5.         Daeninck PJ, Use of medical cannabis to reduce pain and improve quality of life in cancer patients.  J Clin Oncol. 2015 Oct 10;33(29_suppl):198. [PubMed]