Com a descoberta dos receptores de membrana celular canabinoides CB1 e CB2 em células malignas, a pesquisa básica em oncologia, envolvendo a cannabis, ganhou novo impulso apesar de toda a proibição. Vários estudos demonstraram que os canabinoides, agonistas dos receptores CB1 e CB2, podem atuar como agentes antitumorais diretos, em uma variedade de tumores agressivos. Além do THC, existem muitos outros canabinóides encontrados na cannabis, e a maioria produz pouco ou nenhum efeito psicoativo importante. O mais conhecido e estudado é o CBD que já apresenta importante papel na neurologia , psiquiatria   e imunologia .

Em modelos experimentais animais, tanto CBD quanto THC têm apresentado resultados muito interessantes, e até surpreendentes, no sentido de impedir a progressão e promover a redução da massa tumoral em câncer de mama, pulmão, próstata, cólon, glioblastomas dentre outros.

Os mecanismos de ação antitumoral, relacionados aos canabinoides, têm sido evidenciados em estudos “in vitro” e em modelos experimentais “in vivo” [1]. Merecem destaque:

1.       Indução do apoptose, morte celular programada, da célula maligna por ação direta dos canabinoides nos receptores CB2, já identificados em células tumorais humanas, bloqueando os fatores de crescimento epidérmico (EGFR / IGF-IR) responsáveis pela divisão exagerada das células.

apoptosis

2.       Redução da população de macrófagos no microambiente tumoral através da redução citocinas que são substâncias recrutadoras destas células que trabalham a favor do desenvolvimento tumoral.

3.       Redução da angiogênese, formação de novos vasos sanguíneos necessários para o crescimento tumoral e de metástases.

 

Opinião AMA+ME

Apesar de poucos estudos clínicos, muitos casos anedóticos poderiam ser explicados por esses mecanismos de ação.

Novos estudos, prospectivos e duplos cegos, devem ser estimulados, em paralelo ao tratamento oncológico tradicional. Boa tolerabilidade, aliada a baixa incidência de efeitos colaterais tóxicos, coloca o tratamento com cannabis e canabinoides como uma boa opção na clínica que vai além do uso compassivo na área da oncologia.

O prevalente proibicionismo mundial prejudica o desenvolvimento de estudos clínicos controlados, mesmo assim, a cannabis insiste em instigar interesses científicos.

Atualmente no Brasil, somente pacientes portadores de câncer em estágios avançados podem conseguir uma autorização especial da ANVISA para conseguir importar um óleo de cannabis rico em CBD e/ou THC. Esse direito foi reafirmado no Painel Técnico “Evidências para uso do Canabidiol, controle e riscos de sua prescrição” que foi organizado pela ANVISA e realizado na sede da entidade em 08 de outubro de 2015.  Com participação presencial e ativa da AMA+ME, pacientes oncológicos e portadores de outras doenças, muitas vezes incapacitantes, tiveram o reconhecimento que poderiam ser beneficiados através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 38 de 12 de agosto de 2013 da ANVISA/MS  editada e publicada antes do tratamento para epilepsia refrataria com óleo canábico se tornar público no país. Nesta RDC, o uso compassivo foi regulamentado e definido como a possibilidade do uso de quaisquer substâncias, ainda não consolidadas cientificamente, porém com estudos inicias promissores, para tratamento de pacientes portadores de doenças para as quais ainda não existem tratamentos eficazes. Os produtos derivados da cannabis se enquadram nessas substâncias.

Reconhecemos que este é um modesto avanço dentro da possibilidade ampla de uso medicinal. Muitos pacientes graves não podem esperar pela conclusão de estudos prospectivos demorados e podem, hoje, conseguir benefícios terapêuticos com óleos cannabis ricos em CBD e/ou THC. Esperamos e continuamos lutando para que, num futuro próximo, todo potencial medicinal da cannabis esteja disponível para todos os pacientes que optarem pelo seu uso.

Reconhecemos, também, que no atual contexto do tratamento oncológico, a terapia com cannabis e seus canabinoides encontra-se em fase inicial de estudos científicos e não deve ser escolhida como terapia exclusiva em substituição às terapias já estabelecidas cientificamente.  O “tratamento canábico” pode se constituir numa terapia adjuvante, complementar ao tratamento oncológico tradicional, em todas as fases de evolução da doença, trazendo benefícios para muitos pacientes.

Segundo dados do Instituo Nacional do Câncer (INCA) , no Brasil são esperados aproximadamente 295.000 casos de câncer no ano de 2016. Nosso objetivo é informar a sociedade em geral e aos pacientes, potenciais beneficiários de terapia com cannabis e canabinoides na área oncológica, para onde estão caminhando as pesquisas científicas relacionadas ao tema no mundo. Ainda estamos longe de atingir evidências científicas baseadas em estudos prospectivos randomizados, entretanto, para muitos, essas pouco interessam do mesmo modo que pouco interessa quando o assunto é qualquer medicamento da indústria farmacêutica. Ainda temos muito que explorar, cientificamente, o potencial terapêutico oncológico da cannabis. A falta de alternativas para tratamento e alívio em muitas situações, os bons resultados e a segurança do uso contínuo, por mais de 2 anos, de um extrato rico em CBD por pacientes brasileiros, principalmente crianças, nos fazem acreditar que outros potenciais benefícios terapêuticos da cannabis no tratamento de muitos tipos de câncer devam ser, pronta e racionalmente, explorados.

Referências

1.        Pyszniak , Tabarkiewicz J, Łuszczki JJ. Endocannabinoid system as a regulator of tumor cell malignancy – biological pathways and clinical significance. Onco Targets Ther. 2016 Jul 18;9:4323-36. [PubMed]