Por: Dr. Antônio Pessanha Henriques Junior

Primum non nocere  Em primeiro lugar não causar danos

Acredito que não há dizer mais importante que esse para ser inoculado em um formando em Medicina. Hipócrates, o Pai da Medicina, o proferiu há mais de 2.500 anos e se mantém atualíssimo, como muito do dito naquela época, no período filosófico chamado, Socrático. Medicina e Filosofia sempre estiveram juntas, como gêmeos siameses, nós é que teimamos em esquecer esse elo.

A segunda metade do século XX e estes primeiros anos do século XXI foram responsáveis por mais avanços tecnológicos na Medicina, que toda sua existência anterior. O que temos perdido, e muito, é no quesito: HUMANIDADES.

Óleo sobre tela. A morte de Sócrates por Jaques-Louis David 1787

Óleo sobre tela. A morte de Sócrates por Jaques-Louis David 1787

Nascemos bem. Vivemos bem. Temos longevidade, qualidade de vida. Mas nós, brasileiros, somos dos piores países para se morrer. Morremos com abandono, envoltos por sofrimento físico, espiritual, social e mental. Estudiosos no assunto da Morte, do Morrer, da Impermanência e da Finitude, têm apontado que o caminho a se seguir é o exercício dos CUIDADOS PALIATIVOS.

Enquanto não aceitarmos nossa incompletude no tema, vamos continuar liderando o ranking do “mal morrer”.

Então, temos que fazer com que o tema, MORTE, faça parte de nossas discussões. De nossas rodas de conversa, da informalidade, do almoço de domingo em família, na escola, junto aos alunos; com um enfoque principal para além do ensino médio, ou mesmo, desde o 9º ano.

A “intimidade” com o tema, certamente nos dará a percepção que nosso tempo por aqui tem prazo. E o intervalo entre o nascer e o morrer tem que valer a pena e quem sabe, fazermos com que depois de nós, seja muito melhor.

Desde a década de 60, duas autoras independentes e complementares, fizeram com que o estudo dos CUIDADOS PALIATIVOS fosse colocado noutro patamar. A inglesa, Cicely Saunders e a suíça, Elisabeth Kübler-Ross, foram verdadeiros marcos divisórios para o interesse do tema. E não há quem se interesse por isso que não as idolatre. Colocaram em evidência a palavra HOSPICE (Hospedaria), no vocabulário médico e de profissionais da saúde, e nos fizeram lembrar que na medicina mais importante que conjugar o verbo curar, é o exercício do CUIDAR.

Cicely Saunders e Elisabeth Kübler Ross

Cicely Saunders e Elisabeth Kübler Ross

Fizeram alusão e colocaram em destaque um adágio francês do século XV que diz:

“CURAR, às vezes. CUIDAR, frequentemente. CONSOLAR, sempre”

O exercício do estudo desse tema deve e precisa ser motivo de nossas reflexões, para que possamos em nosso dia-a-dia nos esforçarmos para fazermos de nossas relações, RELAÇÕES HONESTAS. E só iremos conseguir isso, se tivermos a percepção e a certeza da Finitude. E, então, buscarmos através da AMOROSIDADE, pelo menos, não causar danos.

A dependência química tem nos ensinado sobre REDUÇÃO DE DANOS, e aqui, nos CUIDADOS PALIATIVOS, há uma inter-relação nítida, principalmente no paciente que se encontra na TERMINALIDADE. Se fizermos a pergunta sobre se tem medo de morrer, é comum recebermos como resposta que não, mas há um medo imenso em SOFRER. Sabendo então que o Brasil é dos piores países para se morrer, motivos não faltam para a perpetuação dessa resposta.

Poderíamos muito bem ter a morte como um dia que vale a pena ser vivido, mas para isso há de se levantar pressupostos e pré-conceitos para o uso de algumas substâncias que hoje fazem parte da ilegalidade. A MACONHA é uma delas. E quanto bem poderia oferecer nesse momento difícil. As formas do seu uso e as indicações são um sem número, mas principalmente para alívio de sofrimento, e o mais temido deles, a DOR. Tenho certeza que sendo permitido e até estimulado, seu uso faria com que essa “passagem” pudesse ser de uma suavidade ímpar, deixando uma última impressão, a que realmente fique marcada.

Se você, como nós, se interessa por CUIDADOS PALIATIVOS, temos como direcioná-lo ao estudo e exercício.

Estudo realizado na Universidade da Georgia nos EUA revelou, como resultado mais impressionante, a  redução do uso de remédios para alívio da dor nos usuários de cannabis medicinal. Em média, nos estados onde a erva já era legalizada, cada médico prescreveu 1.826 doses a menos de analgésicos por ano. [PubMed]