Após tornar-se pública no país, a história de Anny Fisher, portadora da síndrome CDKL5, que passou a ter controle das inúmeras e frequentes crises convulsivas, muitos pais de pacientes epiléticos refratários sentiram-se estimulados a procurar pela cannabis medicinal para melhora das saúde de seus filhos. Apesar de amplamente desconhecido até então, o poder medicinal dos canabinoides para controle de epilepsia já havia sido estudado, de maneira pioneira no mundo, pelo Professor Elisaldo Carlini, da UNIFESP, que através de um estudo duplo cego, randomizado de fase 1, mostrou o potencial anticonvulsivante do canabidiol (CBD). O estudo do Professor Carlini contou com uma amostra reduzida de pacientes adultos e os resultados mostraram suspensão completa da crise em quatro e redução três dos oito pacientes que receberam CBD [1]. O proibicionismo contribui para o desconhecimento de tão importante estudo nacional.
Com crescente incidência, associada à melhoria do diagnóstico neurológico, várias doenças determinantes de epilepsia refratária, passaram a ser melhores estudadas e identificadas geneticamente: esclerose tuberosa, síndrome de Rett, síndrome do X frágil, síndrome de Dravet e síndrome do CDKL5.
Com mecanismo de ação ainda não completamente conhecido, os canabinoides exercem influência direta no sistema nervoso central (SNC) atuando como modulador da transmissão neurológica. Semelhante à anandamida, um endocanabinoide, o CBD controla as descargas de neurotransmissores nos neurônios pré-sinápticos e tem o potencial de reduzir crises convulsivas tanto em número quanto em intensidade, sem produzir efeitos psicoativos importantes. Com produção ainda proibida no país, os extratos de cannabis ricos em CBD, que podem ser importados para o Brasil, apresentam menos de 1% de Delta-9-tetraidrocanabinol (THC) que tem ação diretamente no SNC, também apresenta efeito modulador sobre a sinapse nervosa, entretanto seus efeitos psicoativos podem produzir sonolência e perda transitória de equilíbrio através do relaxamento de tônus muscular o que pode ser prejudicial para pacientes neurologicamente muito comprometidos.
Estudo Observacional Epilepsia Refratária AMA+ME (clique aqui)
O estudo sobre o acompanhamento de 38 pacientes epiléticos refratários que utilizam óleo de cannabis rico em CBD para controle das crises convulsivas de repetição, apresentado no III Congresso Internacional e XVIII Brasileiro da ABENEPI Associação Brasileira de Neurologia, Psiquiatria Infantil e Profissões Afins, em setembro de 2015, contou com a participação nos nossos colaboradores, parceiros e pesquisadores: Dr.Paulo Fleury, Prof. Renato Malcher e Dr. Leandro Ramires . Após criteriosa análise, podemos observar:
- Redução do número de crises convulsivas em mais de 50 % em 78,9% dos pacientes (30/38)
- Redução em mais de 75% da intensidade das crises convulsivas em 68,4% (26/38)
- Redução do uso de medicação antiepilética em 73% (27/38)
Em junho de 2015, na UNICAMP dentro da programação do Fórum Pensamento Estratégico PENSES, aconteceu o evento Visões Interdisciplinares da Maconha, promovido pelo Laboratório de Estudos Interdisciplinares Sobre Psicoativos LEIPSI. Neste evento, Dr. Leandro Ramires, proferiu palestra sobre a experiencia de um pai e apresentou os resultados preliminares do estudo.
Estudo intervencionista aberto, e multicêntrico, publicado nos EUA em março de 2016, concluiu que o canabidiol pode reduzir a frequência das crises convulsivas e pode ter um perfil de segurança adequado em crianças e adultos jovens portadores de epilepsia refratária [2].
Estudo publicado na Revista New England Journal of Medicine demostrou que o canabidiol foi mais eficaz que o placebo para controle de crises convulsivas. A frequência das crises de todos os tipos foi significativamente reduzida com cannabidiol (P = 0,03) quando comparado com placebo e 5% dos paciente ficaram livre delas [3].
Opinião AMA+ME
Enquanto nos países desenvolvidos há uma média de 4,7 neurologistas para cada 100 mil habitantes, nos países de baixa renda esse número cai para 0,04. No Brasil, além do número reduzido de neuropediatras, diferenças regionais impõem uma carência ainda maior deste especialista. Grande parte das crianças epiléticas fica desassistida e, mesmo que consiga uma consulta, o custo elevado da medicação, que em muitos casos não é oferecida pelo SUS, torna o tratamento inviável para muitas famílias. O benefício observado pelo tratamento da epilepsia refratária com óleo de cannabis rico em CBD, um suplemento alimentar, que pode ser facilmente produzido a partir de pequenos cultivos no país, pode ser uma alternativa eficaz para controle de qualquer epilepsia, principalmente para as famílias de baixa renda.
Referências
1. Cunha JM, Carlini EA, Pereira AE, et al. Chronic administration of cannabidiol to helthy volunteers and epileptic patients. Pharmacology. 1980; 21:175-185. [PubMed]
2. Devinsky O, Marsh E, Friedman D, et al. Cannabidiol in patients with treatment-resistant epilepsy: an open-label interventional trial. Lancet Neurol. 2016 Mar;15(3):270-8. [PubMed]
3. Devinsky O, Cross JH, Laux L, et al. Trial of cannabidiol for Drug-Rsistent Seizures in the Dravet Syndrome. N Engl J Med. 2017 May 25;376(21):2011-2020. [PubMed]
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