O Transtorno do Espectro Autista (TEA) compreende déficits neurofuncionais em três domínios: interação social, comunicação e comportamento estereotipado. Os pacientes portadores do TEA sofrem grande incapacitação, precária interação social, dependência e altos níveis de tensão e sofrimento psíquico para todos os envolvidos principalmente familiares.
Importante revisão do Professor Renato Malcher, neurocientista da Universidade de Brasília (UnB), parceiro e colaborador da AMA+ME publicada em 2014 [1], constatou que os canabinoides ajudam a desvendar aspectos etiológicos em comum e trazem esperança para o tratamento de autismo e epilepsia. Semelhanças genéticas, manifestada na forma de mutações específicas, são comuns em pacientes autistas e epiléticos. Várias síndromes, tais como: esclerose tuberosa, síndrome de Rett, síndrome do X frágil, síndrome de Dravet e síndrome do CDKL5 além de determinar quadros de epilepsia refratária, estão diretamente associadas ao comportamento autista. De 40 a 47% das crianças diagnosticadas com TEA sofrem de alguma forma de epilepsia clínica. A modulação do padrão eletrofisiológico epileptiforme, comum em paciente com TEA e epilepsia, pelos canabinoides modifica o padrão de crises convulsivas e contribui para redução do comportamento autista.
Somente com base no estudo da família e os individuais afetados, parece não haver uma base genética para uma ampla síndrome de autismo. Cerca de um quarto dos casos de autismo são associadas com doenças genéticas, descritas acima ou com doenças infecciosas, como rubéola congênita [2]
A autoimunidade pode desempenhar um papel na fisiopatologia do TEA. Anticorpos contra a proteína básica da mielina são encontrados frequentemente em crianças com autismo, que também apresentam aumento de eosinófilos e basófilos em resposta a reações mediadas por imunoglobulina E (IgE). Considerando a elevada incidência de doenças autoimunes ou anomalias do sistema imunitário na população autista, a autoimunidade tem sido proposta como um possível mecanismo subjacente no autismo. As crianças autistas apresentam muitas anomalias no sistema imune incluindo a ativação de linfócitos T anormais e a diminuição relativa de linfócitos T Helper. O nível de redução dos linfócitos T Helper é inversamente proporcional à severidade dos sintomas autista [3].
Crianças autistas demonstram aumento dos níveis plasmáticos de Neopterina (Neopterin), um marcador de ativação da imunidade celular produzidos por linfócitos T. Estudo realizado na Universidade de Utah demostrou diferença significativa entre autistas e controles, 7,94 e 5,95 nmol/L, respectivamente . Concentrações nanomolares de THC e CBD interferem nos níveis de Neopterina segundo estudo austríaco publicado em 2009 [4]. Vale lembrar que os canabinoides, impedindo a degradação do triptofano, contribuem indiretamente na biossíntese de serotonina, neurotransmissor relacionado à ansiedade. Por outro lado, Importante grupo de pesquisa do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, que conta com o professor PhD. Fabrício de Araújo Moreira, parceiro e colaborador da AMA+ME, confirmou a ação do CBD nos receptores de serotonina 5-HT [5], indicando potencial benefício do CBD no controle psiquiátrico da ansiedade e do comportamento agitado muito frequente m autistas.
Não existe tratamento padrão para o TEA. Cada paciente exige acompanhamento individual, com profissionais de várias áreas e com grande demanda de envolvimento e comprometimento da família. Os resultados são, contudo incertos e muitas vezes pouco significativos. Apenas alguns pacientes podem beneficiar-se com o uso de medicamentos convencionais, especialmente quando existem comorbidades associadas. 20% dos autistas sofrem crises convulsivas e crianças, portadoras síndromes epilépticas, desenvolvem características do TEA. A melhora do quadro epilético dos associados da AMA+ME, com óleo de cannabis rico em CBD, tem contribuído para uma melhora do comportamento autista e ganhos no desenvolvimento neuropsicomotor na vida deles.
Drogas antipsicóticas, antidepressivos ou ansiolíticos podem auxiliar o paciente autista que tem comportamento aberrante e autoagressivo. Por outro lado, são conhecidos importantes efeitos colaterais dessas drogas, podendo resultar em um prejuízo maior que o benefício em vários casos. Antiepiléticos podem ser eficazes para o controle de crises convulsivas, mas seus efeitos podem piorar o quadro de alheamento dos TEA. Drogas mais novas, como a risperidona, despontaram como uma melhor alternativa, mostrando-se eficaz para o controle dos sintomas de agressividade e irritabilidade. Contudo essa droga também pode apresentar importantes efeitos colaterais. E, infelizmente, nenhum desses medicamentos tem efeito sobre as restrições para a empatia e comunicação que caracterizam os TEA. A gravidade progressiva dos quadros de autismo, caracterizando-os como doença potencialmente incapacitante, o ônus extremamente elevado que o cuidado ao autista impõe sobre a família, os resultados limitados dos diversos tratamentos disponíveis, especialmente dos medicamentos atualmente empregados e os importantes efeitos colaterais desses medicamentos, justificam a procura de terapêuticas mais eficazes e de acesso geral.
A AMA+ME é uma associação de pacientes que, além de proporcionar acesso ao tratamento com Cannabis para fins medicinais para associados autistas, promoveu o segundo estudo observacional de série de casos publicado no mundo publicado em 31 de outubro de 2019 na Revista Científica Frontiers in Neurology.
Efeitos do extrato de cannabis sativa enriquecido com CBD sobre os sintomas do transtorno do espectro autista: um estudo observacional de 18 participantes submetidos ao uso compassivo
Existe um conjunto crescente de evidências indicando a eficácia do canabidiol puro (CBD) e da Extratos de Cannabis sativa rico em CBD (CE) para o tratamento de sintomas autistas em pacientes com epilepsia refratária. Há também um suporte crescente aos dados para a hipótese de que o autismo não epilético compartilha mecanismos etiológicos subjacentes com a epilepsia. Aqui relatamos um estudo observacional com uma coorte de 18 pacientes autistas em tratamento com uso compassivo de CE padronizado (com uma relação CBD / THC de 75/1). Entre os 15 pacientes que aderiram ao tratamento (10 não epiléticos e cinco epiléticos), apenas um paciente apresentou falta de melhora nos sintomas autistas. Devido a efeitos adversos, três pacientes interromperam o uso de CE antes de 1 mês. Após 6 a 9 meses de tratamento, a maioria dos pacientes, incluindo epilépticos e não epiléticos, apresentou algum nível de melhora em mais de uma das oito categorias de sintomas avaliadas: 1) Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade; 2) Transtornos Comportamentais; 3) Déficits motores; 4) Déficits de autonomia; 5) Déficits de Comunicação e Interação Social; 6) Déficits cognitivos; 7) Distúrbios do sono e 8) Convulsões, com efeitos adversos muito pouco frequentes e leves. As melhorias mais fortes foram relatadas para convulsões, transtorno de déficit de atenção / hiperatividade, distúrbios do sono e déficits de comunicação e interação social. Isso foi especialmente verdadeiro para os 10 pacientes não epiléticos, nove dos quais apresentaram melhora igual ou superior a 30% em pelo menos uma das oito categorias, seis apresentaram melhora de 30% ou mais em pelo menos duas categorias e quatro apresentaram melhora igual para ou acima de 30% em pelo menos quatro categorias de sintomas. Dez dos 15 pacientes estavam usando outros medicamentos, e nove deles conseguiram manter as melhorias mesmo após reduzir ou retirar outros medicamentos. Os resultados neste estudo são muito promissores e indicam que Extratos de Cannabis sativa rico em CBD pode melhorar vários sintomas de TEA, mesmo em pacientes não epiléticos, com aumento substancial na qualidade de vida de pacientes e cuidadores de TEA [6].
Opinião AMA+ME
O quadro dos autistas, no que diz respeito à assistência, é o mesmo dos epiléticos (ver Opinião AMA+ME – Epilepsia). Os indícios, por nós observados, dos potenciais benefícios, com boa tolerância e efeitos colaterais leves, colocam o óleo de cannabis rico em CBD com uma nova terapia adjuvante que, em conjunto com outras terapias suportivas, visa contribuir para tornar a vida de autistas e epiléticos, suas famílias e seus cuidadores menos sofrida.
Referências
- Carter GT, Abood ME, Aggarwal SK, Weiss MD. Cannabis and amyotrophic lateral sclerosis: hypothetical and practical applications, and a call for clinical trials. Am J Hosp Palliat Care. 2010 Aug;27(5):347-56. [PubMed]
- Amtmann D, Weydt P, Johnson KL, Jensen MP, Carter GT. Survey of cannabis use in patients with amyotrophic lateral sclerosis. Am J Hosp Palliat Care. 2004;21:95-104.[PubMed]
- Malcher-lopes R. Cannabinoids help to unravel etiological aspects in common and bring hope for the treatment of autism and epilepsy / Canabinoides ajudam a desvendar aspectos etiológicos em comum e trazem esperança para o tratamento de autismo e epilepsia. Revista da Biologia (2014) 13(1): 43–59.[USP]
- Trottier G, Srivastava L, Walker CD. Etiology of infantile autism: a review of recent advances in genetic and neurobiological research. J Psychiatry Neurosci. 1999 Mar;24(2):103-15. [PubMed]
- Sweeten TL, Posey DJ, McDougle CJ. High blood monocyte counts and neopterin levels in children with autistic disorder. Am J Psychiatry. 2003 Sep;160(9):1691-3. [PubMed]
- Fleury-Teixeira P, Caixeta FV, Ramires da Silva LC, Brasil-Neto JP, Malcher-Lopes R. Effects of CBD-Enriched Cannabis sativa Extract on Autism Spectrum Disorder Symptoms: An Observational Study of 18 Participants Undergoing Compassionate Use. Front Neurol. 2019;10:1145. [PubMed]
- Dana Barchel, Orit Stolar, Matitiahu Berkovictch, et al. Oral Cannabidiol Use in Children With Autism Spectrum Disorder to Treat Related Symptoms and Co-morbidities. Front Pharmacol, 2019, Jan 9,9:1521 [PDF]
- Carbone E, Manduca A, Cacchione C, Vicari S, Trezza V. Healing autism spectrum disorder with cannabinoids: a neuroinflamatory story. Neurosci Biobehav Rev. 2021 Feb;121:128-143. [PubMed]
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