Por Leandro Ramires
Como se não bastassem inúmeras crises convulsivas, o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, muitas vezes é acompanhado de espasticidade muscular involuntária que contribui para um prejuízo da qualidade de vida do paciente, seus cuidadores e sua família.
A espasticidade consiste no aumento involuntário da contração muscular que inicialmente pode ser intermitente evoluindo para contínua, acometendo um ou mais grupos musculares dependendo do dano neurológico determinante. Crianças epiléticas refratárias que convivem com paralisia cerebral são as mais afetadas por espasticidade. A contratura intensa é muito dolorosa, limita a mobilidade com um todo, impede posições de conforto, favorece escaras, complica a higiene pessoal, alimentação e troca de roupas.
Em muitos casos, trona-se evolutiva e incurável. A criança deve ser avaliada por um neurologista que, considerando princípios paliativos, pode prescrever medicamentos tais como: baclofeno, tizanidina, dantrolene e benzodiazepínicos. Severos efeitos colaterais que vão desde náusea a alucinações são frequentes com o uso destas medicações. A fisioterapia é fundamental, pelo menos duas vezes por semana, no sentido de manter a amplitude das articulações evitando a rigidez definitiva por falta uso.
A cannabis e seus canabinoides são uma excelente opção para controlar a espasticidade, especialmente em crianças e adolescentes que ainda possuem graus variáveis de amplitude de movimentos articulares. Estudo realizado por médicos pesquisadores do Departamento de Oncologia Pediátrica, Hematologia e Imunologia da Universidade de Dusseldorf na Alemanha e publicado agora em 30 de julho de 2016 na revista European Journal of Paediatric Neurology, confirma que o uso de ∆9 Tetra-hidrocanabinol (THC) sintético (DronabinolTM) proporcionou excelentes resultados [1].
Dezesseis crianças e adolescentes, com mediana de idade em 12, 7 anos, foram trados, por via oral, com DronabinolTM gotas por um período médio de 180 dias, com uma dose média de 0,33 mg (0,08 a 1,0 mg) de THC. Um efeito terapêutico promissor foi observado, principalmente devido à importante redução ou mesmo abolição das contrações involuntárias determinantes de espasticidade grave resistente ao tratamento, em 12 pacientes. Em dois não foi possível avaliar uma melhora e em outros dois, não foram observados benefícios. Os efeitos colaterais foram raros, vômitos e agitação foram observados em apenas 1 paciente. Nenhum efeito secundário grave e persistente ocorreu, mesmo em crianças pequenas, durante um longo período de tempo.
O relaxamento muscular, induzido pelo THC, nestas crianças proporcionou melhora expressiva na dor, mobilidade, sono, apetite e traz qualidade de vida para o paciente e toda sua família de maneira significativa conforme a análise retrospectiva dos pesquisadores alemães.
Os pais de uma criança brasileira, portadora de espasticidade muscular intensa e involuntária devido ao seu quadro neurológico, para ter seu filho(a) beneficiado(a) por este tratamento, terão a difícil missão na busca de prescrição e relatórios médicos além de toda a burocracia para conseguir uma “autorização excepcional de importação” fornecida pela ANVISA. Depois da obtenção do documento, as famílias terão que desembolsar até 1.000 dólares, fora o custo do transporte, para importar 60 cps de 10 mg suficientes para 30 dias de tratamento.
Este contexto coloca 99% das crianças brasileiras, portadoras de espasticidade severa, fora da realidade. Sob o ponto de vista dos direitos humanos, a proibição da confecção doméstica de um óleo de cannabis rico em THC obtido através de um cultivo próprio, chega a ser absurda e covarde. A ciência demonstrou a eficácia e segurança dos medicamentos à base de cannabis no tratamento de espasticidade refratária em cuidados paliativos pediátricos. A produção de um extrato de cannabis, a baixo custo, no domicílio é plenamente possível e pode beneficiar um número maior de pacientes carentes.
A AMA+ME lutará pela regulamentação do cultivo medicinal no Brasil e fornecerá informações, às famílias de seus associados, no sentido de orientar a produção domestica do medicamento para seus filhos de forma que possam estar asseguradas a qualidade e a continuidade do tratamento.
1. Kuhlen M, Hoell JI, Gagnon G et al. Effective treatment of spasticity using dronabinol in pediatric palliative care. Eur J Paediatr Neurol. 2016 Jul 30. pii: S1090-3798(16)30127-1. [PubMed]
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