Sensações que possam indicar “perigo ou ameaça” desencadeiam reações neurológicas (cognitivas, sensório-perceptivas e neurovegetativas) que caracterizam o medo, principal emoção envolvida na ansiedade que pode prejudicar a vida do indivíduo. A ansiedade patológica se caracteriza por sensações de perigo e medo sem que haja uma ameaça real, ou sem que esta ameaça seja proporcional à intensidade da emoção. Indivíduos ansiosos tendem a ser compulsivos e não raras às vezes, deprimidos.
O tratamento da ansiedade depende, fundamentalmente, do conhecimento dos mecanismos neurofisiológicos envolvidos. O conhecimento anatômico e funcional do sistema nervoso central (SNC), adquirido através de modelos experimentais em animais de laboratório e a ação de drogas ansiolíticas, valida o tratamento farmacológico alopático disponível no mercado.
Apesar da política proibicionista que impera no país, a Academia Científica Brasileira tem contribuído, significativamente, para o estudo dos potenciais efeitos benéficos dos canabinoides no campo da psiquiatria. Resultados obtidos em estudos científicos experimentais (modelos animais) e estudos clínicos confirmaram que o CBD tem propriedades ansiolíticas [1]. Além de bloqueador dos efeitos ansiogênicos de altas doses de THC, o CBD reduziu a ansiedade em voluntários saudáveis durante um estudo de neuroimagem após um procedimento simulado de falar em público [2,3]. O CBD, utilizado na dose de 600 mg / dia diminui ansiedade em pacientes fóbicos sociais sem tratamento prévio [4]. Os efeitos ansiolíticos do CBD alteram a atividade em regiões do cérebro relacionadas com o controle do processo emocional, sistema límbico e paralímbico [5]. Estes resultados clínicos foram complementados por estudos experimentais em roedores, usando administração direta de CBD, por micro injeções, em locais do cérebro relacionadas com ansiedade ou respostas “tipo pânico” com resultados positivos [6,7].
Os efeitos ansiolíticos do CBD seguem um padrão dose resposta específico, doses mais baixas podem produzir efeitos mais expressivos quando comparadas à doses mais altas, caracterizando o padrão de resposta conhecido como “curva de sino” [8]. Novos estudos são necessários para a compreensão completa desse padrão de resposta. A regulação da ação dos neurotransmissores específicos, ácido gama-aminobutírico (GABA) e glutamato, que é intermediada pelo sistema endocanabinoide, está diretamente relacionada com resposta ansiolítica. O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do SNC e o glutamato, excitatório. Ambos têm sua ação regulada pelo CBD como demonstrado em modelos experimentais.
O CBD tem potente ação na inibição da oxidação, processo que contribui para destruição neuronal. Este mecanismo neuroprotetor trás implicações para o tratamento da doença de Alzheimer, Huntington e Parkinson, está relacionado com os níveis de GABA, que são regulados por ação canabinoide nos receptores CB1, e associado à redução de processos oxidativos intraneuronais, inibidos pelo CBD [9, 10]. A serotonina, outro neurotransmissor envolvido na ansiedade, de comportamento mais complexo dependendo da região cerebral envolvida, pode determinar comportamento ansiolítico ou ansiogênico, também tem sua ação modulada pelo CBD. Importante grupo de pesquisa do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, que conta com o professor PhD. Fabrício de Araújo Moreira, parceiro e colaborador da AMA+ME, confirmou a ação do CBD nos receptores de serotonina 5-HT [11], consolidando assim o potencial beneficio do CBD no controle psiquiátrico da ansiedade.
Por outro lado, os efeitos neuroprotetores do CBD, em situações de encefalopatia hepática e de infarto cerebral causado por acidente vascular cerebral (AVC), são mediados por ação do CBD nos receptores 5-HT [12]. Do mesmo modo, a redução da neurotransmissão mediada pelo glutamato, também é induzida pelo CBD, melhora o comportamento do transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e contribui para redução da ansiedade [13], este mecanismo de ação também parece ter influência no controle das crises convulsivas em pacientes epiléticos [14], que apresentam redução dos receptores CB1 na região do hipocampo.
Apesar dos avanços no conhecimento, ainda faltam estudos clínicos consistentes que avaliem o papel da cannabis e seus canabinoides no tratamento específico dos processos relacionados à ansiedade tais como: distúrbio do pânico, agorafobia, fobias simples, transtorno obsessivo-compulsivo, estresse pós-traumático, estresse psicológico.
OPINIÃO AMA+ME
Uma pessoa que sofre de ansiedade grave tem sua qualidade de vida prejudicada não só pela própria ansiedade, que leva à insegurança, como também pelo efeitos colaterais induzidos pelos medicamentos ansiolíticos. O uso de cannabis medicinal pode favorecer a qualidade de vida, quanto utilizada racionalmente, em substituição à medicação alopática. Assim como nas doenças neurodegenerativas, o cultivo doméstico, pode ajudar a melhorar, substancialmente, a vida de pessoas extremamente ansiosas.
Referências
1. Campos AC, Moreira FA, Gomes FV, Del Bel EA, Guimarães FS. Multiple mechanisms involved in the large-spectrum therapeutic potential of cannabidiol in psychiatric disorders. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2012 Dec 5;367(1607):3364-78. [PubMed]
2. Bergamaschi MM, Queiroz RH, Chagas MH, Crippa JA, et al. Cannabidiol reduces the anxiety induced by simulated public speaking in treatment-naïve social phobia patients. Neuropsychopharmacology. 2011 May;36(6):1219-26 [PubMed]
3. Zuardi AW, Cosme RA, Graeff FG, Guimarães FS. 1993 Effects of ipsapirone and cannabidiol on human experimental anxiety. J. Psychopharmacol 1993: 7, 82–88. [PubMed]
4. Bergamaschi MM, Queiroz RH, Chagas MH, Crippa JA, et al. Cannabidiol reduces the anxiety induced by simulated public speaking in treatment-naive social phobia patients. Neuropsychopharmacology 2011: 36, 1219–1226. [PubMed]
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11. Gomes FV, Reis DG, Alves FH, Corrêa FM, Guimarães FS, Resstel LB. Cannabidiol injected into the bed nucleus of the stria terminalis reduces the expression of contextual fear conditioning via 5-HT1A receptors. J Psychopharmacol. 2012 Jan;26(1):104-13. [PubMed]
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14. Luda´nyi A, et al. Downregulation of the CB1 cannabinoid receptor and related molecular elements of the endocannabinoid system in epileptic human hippocampus. J Neurosci. 2008 Mar 19;28(12):2976-90. [PubMed]
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