Em um contexto onde o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Parlamento brasileiro seguem trajetórias divergentes, e diante da falta de uma regulamentação específica pelo Poder Executivo (que constitucionalmente deveria regular o cultivo de cannabis para fins medicinais e científicos), a sociedade civil organizou-se de maneira sem precedentes no país para assegurar o acesso à cannabis medicinal.

Desde 2014, as associações de pacientes que utilizam Cannabis para fins medicinais proliferam no Brasil sem uma regulamentação específica sobre a planta. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem autorizado a importação e regulamentado a comercialização de medicamentos à base de Cannabis com matéria vegetal importada. No entanto, os preços elevados ainda limitam o acesso para a maioria dos pacientes.

Atualmente, essas associações, cada vez mais consolidadas e apoiadas por inúmeras histórias positivas de pacientes, seguem em expansão e trabalham na integração de diferentes atores sociais. De acordo com a pesquisa recente realizada pela amame.org.br, que analisou dados de 18 associações em vários estados, os resultados revelam o desenvolvimento contínuo do setor. Pelo segundo ano consecutivo, este relatório oferece um panorama detalhado do Setor Associativo da Cannabis Medicinal no Brasil.

Atualmente, um total de 86.776 pacientes associados estão sendo tratados com medicamentos à base de cannabis, produzidos internamente por essas associações e prescritos por mais de 3.400 médicos em todo o país. Entre esses pacientes, encontramos uma diversidade impressionante: o paciente mais jovem tem apenas 6 meses de idade, e o mais idoso, 102 anos. A distribuição de gênero entre os pacientes é de 58,3% mulheres, 42,1% homens, e 0,35% identificam-se como não binários, com uma faixa etária média próxima dos 59 anos de idade.

Os diagnósticos (CID 10) mais frequentes entre os pacientes incluem os transtornos mentais e comportamentais, correspondendo a 16,7% dos casos, seguidos de perto por condições como epilepsia, autismo, TDAH e paralisia cerebral (9,1%), Alzheimer e outras demências (5,5%), fibromialgia (5,2%), dores crônicas (4,6%), Parkinson e outros distúrbios do movimento (3,6%), e câncer (2,2%). Outras centenas de condições representam 49,8% dos diagnósticos.

Além de oferecer óleos medicinais ricos em CBD, THC e espectro completo (Full Spectrum), algumas associações expandiram seus portfólios para incluir pomadas, cremes, sprays nasais, extratos puros, sabonetes e unguentos. Em situações específicas, também disponibilizam flores “in natura” para vaporização, todos prescritos por uma crescente rede de médicos em todo o país, assim como acontece para os 3.675 casos de PETs registrados, contando com prescrição médica veterinária.

Essas associações vão além do simples fornecimento de produtos de Cannabis, proporcionando também uma série de serviços de saúde suplementar gratuitos. Isso inclui psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia, massoterapia, terapia ocupacional, enfermagem e nutrição, bem como assistência social vital para apoiar os pacientes mais vulneráveis e suas comunidades.

A influência das associações abrange todo o território nacional, com eventos de capacitação para cultivadores, cursos para médicos prescritores e contribuições importantes para a literatura científica médica internacional. Além disso, as instalações produtivas e laboratoriais estão sendo continuamente expandidas para elevar a qualidade do atendimento prestado.

Parcerias significativas com Universidades renomadas, como Unifesp, UnB, Unicamp, UFRJ, UFSC, UFPB e UFRN, além de instituições federais como Embrapa e Fiocruz, estão fortalecendo a conexão entre a academia e a prática médica focada em fitocanabinoides oferecida pelas associações país afora. Esse esforço conjunto destaca a importância de integrar pesquisa científica e aplicação clínica no campo da cannabis medicinal.

No âmbito social, as associações não só oferecem atendimento personalizado como também lideram projetos ativos de reparação social e fomentam a inclusão de atividades esportivas, culturais e alternativas em eventos sociais de relevância na sua área de atuação. Essas iniciativas visam promover uma maior integração comunitária e um bem-estar ampliado para pacientes associados e colaboradores.

Na área da agricultura, as associações demonstram alta produtividade, com 70,6% delas cultivando suas próprias plantas, priorizando a agricultura orgânica e técnicas de manejo natural. Em termos numéricos, 55,6% das associações cultivam plantas que suprem 100% de suas necessidades medicinais, 27,8% cultivam uma parte, e 16,6% ainda dependem de extratos de terceiros para a produção de seus medicamentos.

Os direitos da planta e do plantio associativo dependem fundamentalmente de Habeas Corpus, que ainda é uma realidade distante para a maioria as associações abordadas neste Panorama Nacional. Quanto à legalidade do cultivo, a situação é variada: 38,8% das associações operam sem qualquer garantia jurídica, 33,3% possuem algum tipo de respaldo legal (Habeas Corpus individuais para alguns associados ou liminares), 22,2% não cultivam, e apenas 5,5% desfrutam de uma garantia jurídica estabelecida. Este cenário reflete a urgente necessidade de uma regulamentação clara e abrangente no setor.

Em um contexto de lacuna regulatória evidente, o Panorama Nacional do Setor Associativo da Cannabis Medicinal – Abril 2024 (sintetizado na figura acima) revela a contribuição vital da sociedade civil na promoção da cannabis medicinal no Brasil. As associações canábicas brasileiras, reconhecidas mundialmente, não só criam empregos diretos para mais de 568 colaboradores como também reforçam, há uma década, a necessidade de regulamentação estatal, oferecendo-se como parceiras ativas no processo regulatório e no desenvolvimento do ecossistema da Cannabis no país.