Por Leandro Ramires

Muitos pais, familiares, cuidadores e pessoas próximas são surpreendidos, muitas vezes em situações de pânico, quando em contato com uma criança em crise convulsiva. A situação se torna ainda mais aflitiva se essa criança entra em “estado de mal epilético” (EME), também conhecido como status epilepticus, que é caracterizado como crise convulsiva duradoura (mais de 5 minutos) ou crises reentrantes as quais suplantam os mecanismos orgânicos, do próprio paciente, na busca de homeostase.

Esta demanda corresponde de 1 a 5% de todos os atendimentos em regime de urgência e é a principal ocorrência neurológica nos serviços de urgência pediátrica no mundo. Até a faixa etária de 5 anos, o estado de mal epilético corresponde a 15% dos atendimentos nesses serviços e ainda apresenta elevada mortalidade. Mesmo em situações ideais de pronto atendimento, a mortalidade do EME, não responsivo a doses adequadas de dois ou três anticonvulsivantes, varia de 20 a 60%.

Encarar a dura realidade é condição imposta aos pais de crianças epiléticas refratárias. Vivendo sob intensa pressão, que pode até reduzir um pouco com a evolução e aceitação das condições determinadas pela doença, muitos pais são obrigados a abrir mão do seu trabalho em prol do cuidado para com o filho. Estudos consistentes demonstram que a taxa de mortalidade para pacientes epiléticos é duas a três vezes superior à população geral. Essa elevação na mortalidade é 30% atribuída a acidentes, 23% à morte súbita, 16% por status epiléticos e 14% suicídio.

Considerando especificamente o atendimento de urgência ao EME no Brasil, a situação é extremamente heterogênea indo de total falta de assistência especializada até pouquíssimos serviços de urgência pediátrica, disponíveis para poucos privilegiados, que estão se reduzindo mesmo com o crescimento da população, pois muitas vezes são considerados antieconômicos na ótica da medicina de mercado.

Visando oferecer um cuidado mais adequado, é importante reconhecer as recomendações mais recentes para a classificação do quadro epilético:

  1. Crise epilética / convulsiva: duração menor que 5 minutos.
  2. Estado de mal iminente: crises com duração superior a 5 minutos e inferior a 30 minutos, tendem a se perpetuar com frequência e podem determinar complicações sistêmicas.
  3. Estado de mal epilético (EME): duração maior que 30 minutos.
  4. Estado de mal refratário: duração maior que 1 hora.
  5. Estado de mal super refratário: duração maior que 24 horas.

Quanto mais prolongado, maior a dificuldade de reversão e maior a chance de prejuízo neuronal. Uma vez diagnosticado previamente como paciente portador de epilepsia, a crise convulsiva deve ser tratada para evitar lesão neuronal e as complicações relacionadas a crises prolongadas.

Iniciado o EME, a fase pré-hospitalar é tensa na maioria das vezes, as crises não escolhem hora, local, ou qualquer outra circunstancia. Muitos perdem a vida antes de chegar ao hospital, condição socioeconômica é fator determinante na mortalidade. No hospital, os primeiros passos do atendimento de urgência são: manter uma posição neutra da cabeça, garantir via área pérvia, ventilação e circulação adequadas, oxigênio suplementar deve ser oferecido, acesso venoso e monitorização (oxímetro, monitor cardíaco e pressão arterial).

Se a crise persiste por mais de 5 minutos, a droga de uso inicial recomendada é um benzodiazepínico por via endovenosa ou via retal para crianças sem acesso venoso. Alternativamente, é possível o uso de Midazolam pealas vias: endovenosa e intramuscular. Muitos protocolos desconsideram o uso intranasal do Midazolam que se mostra eficaz para controle do EME. Depois de cessadas as crises, recomenda-se o uso de fenitoína por via endovenosa para estabilização do quadro. Além da própria condição grave do pacientes, efeitos colaterais relacionados á depressão respiratória impõem suporte de terapia intensiva, muitas vezes com respiração assistida por aparelhos. A escassez de vagas em UTI pediátricas é mais um enorme entrave.

Além do enorme gasto financeiro para o sistema de saúde, todo o transtorno relacionado ao EME poderia, na maioria das vezes, ser evitado através do uso nasal de um spray contendo ∆9 tetra hidrocanabinol (THC) em uma quantidade ínfima, infinitamente mais seguro que qualquer droga anticonvulsivante.

Benício, 9 anos, portador da síndrome de Dravet saindo do estado de mal epilético com o uso de spray nasal a base de THC produzido no Brasil pela associação irmã ABRACE na Paraíba. A associação paraibana é a primeira a conseguir um salvo conduto na justiça para a produção e beneficiamento de cannabis medicinal para um pouco mais de uma centena de pacientes. O acesso precisa ser ampliado de forma justa para todos aqueles que precisam, habeas corpus e salvo condutos acabam colocando os pacientes em situação desigual perante a Constituição Federal.

A segurança do uso do spray nasal ganha consistência científica pautada na ausência de receptores canabinoides no tronco cerebral daí a ausência de depressão respiratória. A velocidade da reversão associada a segurança do tratamento do EME, em grande parte dos pacientes epiléticos refratários, com dose menor que 0,1 mg de THC por si só se constitui justificativa para a descriminalização do plantio, cultivo e beneficiamento de cannabis , para fins medicinais, pleiteada na ADI 5708 que está no Supremo Tribunal Federal através de iniciativa da AMA+ME em parceria com o PPS. O impacto proporcionado na economia em gastos em saúde pela utilização do THC nasal é expressiva e deveria ser considerada pelos gestores em saúde, saiba mais.